Por WALTER FALCETA JR.
Benedito vivia só e modestamente no apartamentinho do Bom Retiro. A aposentadoria de funcionário público permitia-lhe comer e pagar as contas. Diversão? A prosa com o povo misturado do bairro, reduto do imigrantes em São Paulo. Mais? Acompanhar o seu Coringão, cuja fundação fora presenciada pelo avô, um carroceiro bigodudo, que só conhecera por fotos.
Naquele 3 de Dezembro de 2.007, Benê acordou tarde, sentindo-se estranho. Diante do espelho, viu-se esfumaçado. Creditou a ausência de acuidade visual ao pranto do dia anterior. Estranhamente, não sentia fome ou sede, de modo que nem preparou o café. Resolveu ligar para o filho, a fim de desafogar-se. Trim, trim, trim, doze toques, e ninguém atendeu.
Resmungando baixinho, decidiu recorrer ao Armando galego, corinthiano também, colega dos tempos do Tribunal de Justiça. Trim, trim, trim, doze toques, e ninguém atendeu. "Eitcha!", praguejou. Assim, deliberou ligar para a irmã, que nem ligava para futebol, mas com quem poderia desabafar. Trim, trim, trim, doze toques, e ninguém atendeu.
Rangendo os dentes, Benedito levantou-se, vestiu o paletozinho surrado e saiu para a rua. Era longe, mas tinha o Tanaka, o japa corinthiano da Galvão Bueno. E assim atravessou lépido a Luz, subiu pela São João, enveredou pela São Bento, pegou a direita, saiu na Sé, alcançou a Avenida Liberdade e, em cinco minutos, ofegante alcançou seu destino. Na calçada, no meio da multidão, viu o amigo passar-lhe ao alcance de um braço esticado.
- Ei, ei, ei, Tanaka... Aqui, aqui... Tá surdo? – suplicou, sem resultado, vendo o grisalho oriental desaparecer rumo à Rua dos Estudantes.
Na volta para casa, acenou para o guarda da Pinacoteca, seu mais recente amigo, mas não recebeu retribuição. Entristeceu-se. Seria por ser corinthiano? Pensou em como o amor da Fiel por seu time despertava inveja e ciúme.
- Somos assim, o povão que não desiste nunca. Em 1.910, nos metemos no esporte dos ricos, e nunca baixamos a cabeça. Agora, mais um obstáculo, e vamos vencer... Vamos subir... – devaneava, enquanto caminhava pela Rua José Paulino, apinhada de gente fazendo compras para o Natal.
De repente, estancou na esquina com a Cônego Martins, no pilar que marca o local da reunião de rua, à luz de lampião, que decretou a fundação de seu amado clube. Os olhos marejaram, respirou fundo e filosofou:
- Isso aqui fez um bem danado ao Brasil. Quanta gente se fundiu, se misturou por causa dessa paixão.
Recordou-se de amigos que fizera na "cultura corinthiana", como o calabrês Vincenzo, o judeu Davi e o baiano Júlio, negro de dois metros de altura.
- Por isso é o "mais brasileiro", porque é tão mestiço quanto esta cidade e este País.
Caminhando de volta ao apartamento, avistou o Mohamed, corinthianíssimo, na esquina da Rua Júlio Conceição. Gritou, chamou, esgoelou-se, e nada. Resignado, resolveu recolher-se.
Ao chegar diante do apartamento 77, meteu as mãos nos bolsos e não encontrou as chaves. Amaldiçoou a memória degradada, bufou e deu um bico na porta. Estranhamente, não houve ruído. A perna, na verdade, migrou para o outro lado. Espantado, Benedito recuou. Depois, viu que o mesmo se passava com o resto do corpo. Assim, curioso, entrou todinho para a sala.
Ali, o esperava Elisa, compenetrada, mas jovial.
- Você, aqui? – perguntou, admiradíssimo.
- Vim conversar com você...
- Até que enfim... E o que mais?
- Preciso te contar uma coisa – disse Elisa, alisando a toalhinha de renda sobre a mesa.
- Diz, então...
- Sabe aquela história de "Corinthians até a morte"? Sabe?
- Sim, eu sei... – respondeu Benedito, sentindo-se já leve e remoçado.
- Pois, não é verdade... Bom, né?
Fez-se um grande silêncio. E, de repente, começaram a rir. Cheio de energia, Benedito despediu-se de si. Tinha muito o que fazer em 2.008. Assim, nascem os anjos.
* Walter Falceta Jr. é jornalista, corintiano, maloqueiro e sofredor, graças a Deus.
Um comentário:
Conhecem aquela:
Qual a semelhança entre uma ferrari e o corinthians? Os dois são rebaixados....que bosta
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